segunda-feira, 9 de maio de 2016

Sobre o fraco desempenho macroeconómico da UE ou a estória de uma grande falácia

Muito se tem falado do desempenho medíocre da UE, e em particular da zona euro, mas será que faz sentido olhar para este espaço (que deveria ter políticas activas de coesão para os 28 estados) desse modo?

É que quando olhamos para os países que o compõem, e não para o conjunto da UE, verificamos uma realidade bem diferente no período de 2008 a 2014 (último ano de que a Pordata tem informação) em que sofremos, na pele, a explosão da crise do sector financeiro que depois se espalhou pela economia.

A estatística pode ter algumas perversidades, pois as médias são muito enganadoras, como se pode ver pela seguinte história.
"Num universo de duas pessoas, estatisticamente, o seu consumo per capita é de 1/2 frango, o que é bom, mas, a realidade, pode ser muito diferente da estatística pois uma delas pode comer o frango inteiro e a outra não comer nada, ou a primeira comer 3/4 do frango e a segunda apenas 1/4 e, apesar da desigualdade, a afirmação estatística continua intacta e"bonitinha"".

Infelizmente, para muitos milhões de europeus e até de alguns países, a sua realidade é a da parte mais perversa desta história.
Eis alguns dados  retirados, quase todos, da Pordata que podem ajudar a ver bem como tudo é muito diferente do que se fala nos media.

Podemos constatar isso através da evolução do PIB onde, entre 2008 e 2014, a ZE19 - Zona Euro (19 Países) aumentou 6,01%, a UE28 - União Europeia (28 Países) aumentou 7,31% mas atenção que 4 países tiveram uma variação superior a 15% enquanto que 6 tiveram uma variação negativa no mesmo período. Os restantes 18 tiveram uma performance medíocre ou miserável.

Também na dívida pública a assimetria, entre estados, salta à vista pois, entre 2008 e 2014, na ZE19 - Zona Euro (19 Países) ela aumentou 34,5%
, na UE28 - União Europeia (28 Países) aumentou 42,3%.
Em todos os países da UE a dívida pública aumentou, variando entre os 7,02%
de Malta e os 274,07% da Eslovénia.
Em 11 países da UE o aumento da dívida foi superior a 100% e, em mais 6 o aumento foi entre 50 e 100%.
Dos 13 países, que aderiram à UE desde 2004, 8 têm variações de dívida superiores a 100%.
Países como, a Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda, Suécia e França (grandes motores da economia europeia e que teriam a obrigação de promover a coesão entre estados) tiveram aumentos de dívida pública inferiores a 50%.
Curiosamente nesta lista em apenas em 2 países (que não pertencem à UE mas que têm acordos comerciais com ela) a dívida se reduziu. São eles a Suiça com -15,98% e a Noruega com -43,36%.

No que diz respeito à evolução da taxa de desemprego, apenas em 3 países (Alemanha, Hungria e Malta) ela diminuiu sendo que na Alemanha a quebra foi de -33,3%.
Na ZE19 - Zona Euro (19 Países) a variação foi de 52,0% e na UE28 - União Europeia (28 Países) o aumento foi de 44,3%.
Existem 12 países (sendo 9 da zona Euro) onde a variação da taxa de desemprego foi superior a 50% e desses, 7 têm variações superiores a 100% (pertencendo 4 à zona euro).

É útil lembrarmo-nos de que "o procedimento relativo aos défices excessivos é regulado pelo artigo 126.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e apoia a secção PEC corrector da UE."
E ele diz o seguinte:
"Os países da UE devem demonstrar que suas finanças são sólidos e atender a dois critérios:
A) os seus défices orçamentais não pode exceder 3% do produto interno bruto (PIB);
B) sua dívida pública (dívida de governo e órgãos públicos) não pode exceder 60% do seu PIB."

Para também se ter a noção da "coerência, uniformidade e rigor" de critérios, com que as instituições europeias tratam os países membros é útil olhar para o histórico (de 1995 a 2014) dos saldos anuais, das contas públicas, dos países membros e a sua conjugação com as dívidas públicas.
Assim, em 2014:
A Áustria, Alemanha, Hungria, Itália, Malta, Países Baixos e a média da Zona Euro (19 Países) tinham uma dívida pública > 60% do seu PIB embora os défices estivessem abaixo dos 3%.
A  Bulgária, Finlândia e Polónia tinham os défices acima dos 3% e a própria
UE28 - União Europeia (28 Países) ficou na fronteira com 3% exactos.
Finalmente a Bélgica, Chipre, Espanha, França, Grécia, Croácia, Irlanda, Portugal, Eslovénia e Reino Unido não cumpriram nenhum dos critérios pois tinham divida pública > 60% do PIB e défice > 3%.
Quantos destes países estiveram sujeitos às multas por défice excessivo, e medidas adicionais, como foram os casos de Portugal e Grécia?
Objectivamente isto quer dizer que 91,49% do PIB da UE está com problemas de excesso de dívida, ou de défice e desses, 46,33% (do PIB da UE) têm problemas em ambos os sectores.

 Finalmente chegamos às consequência sociais destas políticas, ou seja, o aumento da desigualdade na distribuição do rendimento (S80/S20) .
Dos 28 países, da UE, apenas em 9 (sendo 6 deles da zona euro), e que representam 46,05% do PIB da UE,   o fosso entre os mais ricos, e os mais pobres, diminuiu.

Os 5 maiores PIB, da UE (Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido), onde estão 4 países da zona euro, representam 75,70% e 67,77% do PIB da zona euro e da UE respectivamente.
Em termos populacionais têm um peso de 50,2% e 62,9% da zona euro e da UE respectivamente.

% de variação, entre 2008 e 2014, destes itens nas 5 maiores economias da UE.
                 PIB       Div. Púb. Tx. Desemp (S80/S20)
Alemanha 13,49% 15,2%   -33,3%         6,3%
Espanha         -3,87% 152,0%   115,9%       21,4%
França          9,92% 40,4%     29,7%        -2,3%
Itália         -0,57% 29,4%     89,6%       11,5%
Reino Unido  6,22% 110,9%       8,9%        -8,9%

Neste quadro resumo podemos facilmente concluir que a Alemanha, sobretudo as suas elites financeiras, é quem mais tem lucrado com esta política pois, em época de crise, o seu PIB subiu razoavelmente, o desemprego desceu bastante, a dívida pública subiu alguma coisa e o fosso social também.
O mesmo já não se pode dizer dos restantes 4 países que têm todos, pelo menos, dois dos itens com grande degradação.
É a parte negra da rábula a chegar à Europa, onde há cada vez mais gente sem comer mas as estatísticas, vistas pela rama, não estão com muito mau aspecto.
Vamos ver até quando...