Robert Reich
(professor universitário, foi ministro do Emprego de Bill
Clinton)
Trump,
produto da desigualdade
Resumir a ascensão de Donald Trump ao poder tendo
como base o seu populismo e personalidade é uma visão simplista. Quem o afirma
é Robert Reich, que deu uma conferência em Lisboa sobre desigualdade social e a
sua contribuição para a eleição do novo presidente norte-americano.
A conferência “Como a desigualdade nos Estados
Unidos criou Trump: um aviso à Europa” teve lugar no ISCTE-IUL no dia 11 de
maio, numa organização conjunta entre o Partido Socialista e a Fundação Res
Publica.
Robert Reich, antigo ministro do Emprego na
presidência de Bill Clinton e professor de Políticas Públicas na Universidade
de Berkeley, explicou como a desigualdade nos Estados Unidos da América (EUA)
ajudou a colocar Donald Trump na cadeira mais poderosa do mundo.
Início
Robert Reich recuou até ao final dos anos 70 para
explicar a sua teoria. “Entre o fim da II Guerra Mundial e o final dos anos 70,
os gráficos da produtividade, do crescimento económico e dos salários subiram
de forma igual. O mercado laboral caminhava em direção à igualdade.
Depois de 78, o salário médio começou a estagnar e
no caso dos homens no fundo da tabela, especialmente aqueles sem curso
universitário, começou mesmo a descer.”
Economia
e política
“O chamado mercado livre não existe”. Robert Reich
rapidamente explicou que, em seu entendimento, economia e política andam de
braço dado.
“Os mercados dependem de regras. Não podem existir
mercados sem regras que governem propriedade, contrato, responsabilidade,
bancarrota e monopólio.
Não é só o conhecimento das regras que é importante,
mas também quem influencia a sua criação.
É aqui que entra a política”.
Expansão
No final dos anos 70, circulava a tese de que a
globalização e a mudança tecnológica começaram a ter efeitos no mercado
laboral, uma vez que a maior parte da tecnologia usada na II Guerra Mundial e
nas guerras da Coreia e Vietname começou a surgir nos setores comerciais da
economia, permitindo uma fragmentação do processo de produção para locais onde
o custo era mais barato.
“Isso teve um efeito muito grande nos trabalhadores
industriais”, disse Reich.
O professor universitário recordou que, nessa
altura, o neoliberalismo tornou-se dominante,
Capitalismo
Os corporate raiders são assim uma das chaves do
problema, tendo convencido os CEO das grandes empresas que a sua única
obrigação era maximizar o lucro.
“Antes, os CEO acreditavam ter responsabilidades não
só para com os accionistas mas também para com as suas comunidades e
trabalhadores.
Depois dos corporate raiders, já não era o
capitalismo das partes interessadas, era o capitalismo dos acionistas”, afirmou
Robert Reich.
O
ataque aos sindicatos
Robert Reich não esqueceu o ataque aos sindicatos em
nome de uma maior eficiência do sistema.
“Em 1955, um terço dos trabalhadores
norte-americanos do setor privado eram sindicalizados. Hoje são menos do que
7%.
Os apologistas do neoliberalismo disseram que
estavam a criar um sistema mais eficiente.
O que não estavam a prestar atenção era aos efeitos
distributivos, o que aconteceu aos trabalhadores e às comunidades”.
Camuflagem
Robert Reich explicou que os norte-americanos não
sabiam que os salários estavam a descer, muito por culpa dos mecanismos de
camuflagem.
“No final dos anos 70 houve um grande aumento de
mulheres no mercado laboral remunerado. Gostamos de dizer que foi devido às
maravilhosas novas oportunidades.
Não foi, entraram de maneira a manterem o rendimento
da família à medida que o salário dos homens começou a cair”.
O segundo mecanismo diz respeito ao número de horas
de trabalho. “Toda a gente estava a trabalhar mais horas, não só os homens como
as mulheres.
Muito mais que a média europeia e que a notável
indústria japonesa.
Muitas famílias trabalhavam por turnos.
As mulheres faziam um turno com as crianças e os
homens faziam outro”
No final dos anos 90 aparece o terceiro mecanismo.
“À medida que os preços das casas subiam e dois
terços dos americanos eram donos das suas casas, podiam refinanciar-se e fazer
novas hipotecas.
Portanto, a casa tornou-se num mealheiro, o que deu
às famílias dinheiro adicional. Assim ninguém falava de salários estagnados.
O que terminou com este mecanismo foi a crise
financeira de 2008 e o rebentar da bolha imobiliária”, explicou.
Desigualdade
Com
salários estagnados ou a descer para onde foi o dinheiro? Robert Reich não tem
dúvidas. “Para o topo.
Muita gente acusa-me de ser um lutador de classes
(class warrior).
Sou antes um preocupado com as classes (class
worrier).
Preocupo-me com as consequências de uma economia e
de uma sociedade onde os ganhos do crescimento económico vão para o topo.
Sem poder de compra não há recuperação vigorosa”.
Outra causa de preocupação é a impossibilidade de a
camada mais pobre ascender à classe média.
“À medida que a classe média encolhe mais pessoas
ficam presas na pobreza.
As pessoas da classe média ficam menos generosas
para com as pessoas que estão pior, principalmente as de cor diferente”.
A terceira causa de preocupação diz respeito ao
poder político.
“À medida que mais rendimento vai para o topo também
vai o poder político.
As regras têm de ser decididas por alguém e se há
mais poder político no topo então as regras vão ser cada vez mais decididas
pelas pessoas no topo, pelas grandes empresas e por Wall Street.
E à medida que essas regras são decididas vão
gerando mais benefícios para eles. É um ciclo vicioso”.
Consequências
A crise de 2008 trouxe a maior recessão nos EUA
desde a Grande Depressão, com muitos americanos a perderem emprego, casa e
poupanças.
O sistema financeiro e os bancos foram resgatados,
com consequência para os pagadores de impostos enquanto os responsáveis não
foram acusados.
“Nesses anos pós-2008 houve um grito de indignação
tanto da direita como da esquerda política.
À direita, o movimento conservador, furioso com o
governo por, basicamente, resgatar.
À esquerda, o movimento dos ocupados, furioso com os
bancos.
Estes movimentos foram os precursores das alas
populistas.
O descendente direto do movimento dos ocupados foi
Bernie Sanders; o do movimento dos conservadores foi Donald Trump”, explicou
Robert Reich.
Populismo
Quando viajou pelos EUA para apresentar o seu livro,
Robert Reich notou que muitas pessoas estavam indecisas entre Bernie Sanders e
Donald Trump.
“Fiquei surpreendido porque são muito diferentes.
Mas as pessoas diziam-me que o jogo estava
manipulado contra elas.
Queriam alguém que fosse a sua voz, que se impusesse
por elas.
Estas são palavras que estão no centro do populismo.
O que sabiam é que havia duas pessoas a concorrer à
presidência que partilhavam a mesma indignação delas contra o Governo.
E isto dois anos antes das eleições, quando a maior
parte dos comentadores estava convencida que os candidatos finais seriam Jeb Bush
e Hillary Clinton”.
Reich identificou então os dois tipos de populismo:
o de direita, que usa a raiva e a canaliza para bodes expiatórios, como
emigrantes, minorias, muçulmanos, entre outros; e o de esquerda, que quer
retirar a raiva e canalizá-la para reformas políticas fundamentais.
O
erro de Hillary
“O baralho está cortado a favor de quem está no
topo”.
A frase pertence a Hillary Clinton, no início da sua
campanha. “Essa é uma mensagem populista”, diz Robert Reich. “Ela não fez uma
campanha populista, porque entrou com uma frase populista?
Foi aconselhada a começar a campanha assim porque
aperceberam-se do mesmo que eu quando falei com as pessoas.
O problema é que Hillary não consegue disfarçar-se
de populista, toda a gente sabe que ela fazia parte do Estado.
Donald Trump era um homem de negócios de sucesso e
fingiu ser um populista”, explicou.
O
exemplo de Portugal
Para Robert Reich, na maior parte da Europa o
problema passa pela insegurança económica e pela austeridade.
“O assunto para uma nação não é só a dívida pública.
Se a economia crescer esse ratio melhora, mas se
estão mergulhados em austeridade então o Governo não consegue estimular a
economia para assegurar o crescimento.
Não haverá crescimento económico enquanto não
tiverem uma economia que trabalhe para as pessoas, onde a maior parte tenha
emprego e esperança”.
Segundo Reich, é necessária uma alternativa, vendo
Portugal como um exemplo.
“A Europa e os EUA estão atentos ao que se passa em
Portugal no que diz respeito ao futuro”, concluiu.